Acumulação de capacidades tecnológicas e aprendizagem: limites, trajetórias e estratégias

Introdução

Empresas inseridas em economias em desenvolvimento, como o Brasil, enfrentam um desafio estrutural desde sua origem: a escassez de recursos tecnológicos próprios. Ao iniciarem suas operações, é comum que essas organizações recorram à importação de tecnologias desenvolvidas em países industrializados. Essa dependência inicial, somada ao distanciamento geográfico e institucional dos centros produtores de conhecimento, impõe limites importantes à competitividade dessas empresas no cenário global.

Contudo, o contexto atual oferece possibilidades de superação dessas barreiras por meio da conectividade, mobilidade e maior acesso a redes de conhecimento. Ainda assim, é necessário reconhecer que, na base do desenvolvimento industrial e tecnológico de qualquer país, está a capacidade de suas empresas acumularem conhecimento técnico-científico e transformá-lo em inovação.

Neste artigo, exploramos três dimensões fundamentais desse processo: os limites iniciais da acumulação de capacidades, as trajetórias possíveis para superá-los e os mecanismos internos de aprendizagem tecnológica.

1. O ponto de partida: limites estruturais das empresas em países emergentes

De acordo com Figueiredo¹, a acumulação de capacidades tecnológicas em empresas de países em desenvolvimento é marcada por algumas condições típicas:

  • Entrada tardia no setor industrial, geralmente décadas após os países tecnologicamente avançados;
  • Dependência de tecnologias importadas, em especial no início de suas trajetórias;
  • Escassez de apoio institucional e de profissionais qualificados em áreas-chave, como engenharia, metrologia e pesquisa aplicada;
  • Distanciamento dos mercados-alvo, tanto em termos físicos quanto em termos de padrões tecnológicos exigidos.

Esses fatores limitam a capacidade dessas empresas de competir em pé de igualdade com organizações de países mais desenvolvidos. No entanto, não as impedem de construir um caminho próprio de desenvolvimento tecnológico — desde que compreendam que a inovação não ocorre por acaso, mas sim por meio de esforço sistemático e contínuo de aprendizagem.

2. A escada tecnológica: trajetórias assimétricas rumo à inovação

A superação dos limites iniciais passa pelo que Figueiredo denomina como o modelo da “escada tecnológica”. Nele, o avanço das empresas ocorre de forma gradual, ao longo de uma trajetória de acumulação de conhecimento técnico, organizacional e científico. Cada degrau dessa escada representa um patamar distinto de capacitação — desde a simples operação de tecnologias importadas até a capacidade de desenvolver soluções tecnológicas originais e sofisticadas.

No entanto, é preciso reconhecer a existência de um “gap” estrutural entre as capacidades acumuladas por empresas de países emergentes e a chamada fronteira tecnológica internacional. Essa lacuna não se explica apenas pela intensidade dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas também pelas escolhas estratégicas das empresas e pelo ambiente competitivo em que estão inseridas.

Empresas que atuam em setores protegidos ou pouco concorrenciais tendem a não se mover tecnologicamente. Optam, muitas vezes, por manter-se em níveis baixos de capacidade tecnológica, acreditando que isso seja suficiente para garantir sua sobrevivência. Essa escolha, no entanto, acarreta riscos importantes: maior vulnerabilidade frente à concorrência externa, dependência tecnológica e baixo dinamismo interno.

Em contraste, organizações que operam em contextos de alta competitividade são forçadas a inovar. Precisam alocar recursos humanos e financeiros para adquirir conhecimento, qualificar seus times, testar soluções e ampliar gradualmente sua autonomia tecnológica. A capacidade de aprender — e de transformar esse aprendizado em ativos competitivos — torna-se, portanto, central para sua sustentabilidade.

3. Como as capacidades tecnológicas são, de fato, acumuladas?

A acumulação de capacidades tecnológicas não é um processo linear, automático ou garantido com o simples passar do tempo. Ela exige estratégias conscientes de gestão da aprendizagem e da inovação.

Uma empresa acumula capacidades quando desenvolve, por exemplo, expertise em adaptar tecnologias ao seu contexto local, construir seus próprios protótipos, realizar experimentos sistemáticos ou interpretar criticamente os dados de uso de suas soluções.

Segundo Figueiredo, os níveis de capacidade podem ser classificados em três grandes estágios:

  1. Capacidades operacionais básicas: domínio de rotinas, uso de manuais, operação de equipamentos.
  2. Capacidades intermediárias: modificação e adaptação de tecnologias, customização de processos e melhorias incrementais.
  3. Capacidades avançadas: geração de tecnologias próprias, desenvolvimento de novos produtos e soluções originais para problemas complexos.

O avanço entre esses níveis depende de fatores como:

  • Políticas internas de gestão do conhecimento e da inovação;
  • Interação com universidades, centros de pesquisa, fornecedores e clientes;
  • Capacidade de absorver e reinterpretar tecnologias externas;
  • Estímulo à experimentação, mesmo sob incerteza, com espaço para erro e correção.

A aprendizagem tecnológica ocorre, muitas vezes, por tentativa e erro, em ciclos de formulação de hipóteses, testes, falhas e recomeços. Essa prática deve ser institucionalizada e valorizada, pois é a partir dela que se constrói o que chamamos de “estoque de conhecimento tecnológico” — um ativo intangível, mas central, para a inovação.

Conclusão

A acumulação de capacidades tecnológicas é um processo estratégico e cumulativo que sustenta a inovação empresarial. Empresas de países emergentes enfrentam limitações estruturais importantes, mas podem superá-las por meio de trajetórias bem planejadas de aprendizagem, investimento contínuo em pessoas e esforços sistemáticos para internalizar e gerar conhecimento.

Não há fórmula única para alcançar a fronteira tecnológica, mas há princípios universais que precisam ser considerados: o compromisso com o aprendizado, a disposição para investir em incerteza e a clareza de que a inovação é, acima de tudo, um processo organizacional de construção coletiva do conhecimento.

A inovação sustentável não nasce de soluções prontas importadas, mas do esforço deliberado em transformar conhecimento em prática e prática em vantagem competitiva.

Referência

¹ FIGUEIREDO, Paulo N. Gestão da inovação: conceitos, métricas e experiências de empresas no Brasil. GEN | LTC, 2009.


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Edwin Lima é consultor em Recursos para Inovação (Incentivos Fiscais, Captação de Recursos e Gestão da Inovação) e atua há mais de 10 anos assessorando empresas a melhorarem seus resultados através de recursos para inovação, contemplando as áreas de incentivos fiscais para P&D (Lei do Bem, Tecnoparque Curitiba entre outros);captação de recursos para projetos (FINEP, BNDES, FAPESP entre outros) e implementação de sistema de gestão da inovação (ISO 56002).

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