Não basta ser, é importante também parecer!

Não basta ser, é importante também parecer!

Não é de hoje que observamos situações em que particulares, leia-se aqui o setor privado, colaboram com a administração pública em ações realizadas para promoção do uso dos incentivos fiscais para inovação tecnológica.

Não especificaremos ou sequer enumeraremos tais situações sob o risco de nos aproximarmos de acusadores, mas ousamos criticar, ou seja, fazer um juízo sobre como tais colaborações ocorrem.

Frisamos que não faremos suposições sobre quais seriam as reais intenções dos envolvidos, desconhecidas por mim. Restringiremos nossos apontamentos aos fatos, estes concretos e objetivos.

A norma ISO 37001:2017 define conflito de interesses como: “situação onde os negócios, finanças, famílias, interesses políticos ou pessoais podem interferir no julgamento de pessoas no exercício das suas obrigações para a organização.”¹

 

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Guardemos essa definição, concisa e exata, para logo mais.

Em uma situação em que o poder público queira orientar seus órgãos internos ou os cidadãos sobre determinado tema que lhes interesse, é costumeira a publicação de manuais e/ou a elaboração de guias, que são documentos que contém definições, diretrizes, orientações e demais informações relevantes para seus destinatários. A elaboração de tais manuais ou guias certamente requer esforços humanos, principalmente de pessoas com conhecimento técnico sobre o tema abordado.

Ao consultar guias como o “Guia Alimentar para a População Brasileira”, elaborado pelo Ministério da Saúde, ou o “Guia orientativo para elaboração de análise de impacto regulatório”, elaborado pelo Governo Federal, pesquisamos quais foram as equipes envolvidas em seus processos de elaboração.

Em um deles, participaram, majoritariamente, órgãos da administração pública federal. Em outro, também majoritariamente, participaram instituições de ensino superior. Em ambos, nenhuma empresa privada foi nomeada.

Pensamos que, em determinadas situações, seja inevitável que haja colaboração de pessoas com atuação no setor privado, sejam consultores independentes ou mesmo empresas que detenham um conhecimento não existente no setor público. No entanto, ainda que nos casos dos guias supracitados isso possa ter ocorrido, constam exclusivamente os nomes das pessoas envolvidas, o que nos parece ser uma boa prática.

Obviamente, o nome de determinada empresa poderia constar como colaboradora, desde que não houvesse conflito de interesses. Retomaremos então esse conceito.

Conflito de interesses é a “situação onde os negócios, finanças, famílias, interesses políticos ou pessoais podem interferir no julgamento de pessoas no exercício das suas obrigações para a organização.”¹

É evidente que um documento, publicado pelo poder público, contendo definições, diretrizes e orientações sobre determinado tema, tende a ser tomado como paradigma por seus destinatários. Logo, as pessoas envolvidas em sua elaboração tendem a gozar de certa credibilidade junto a estes destinatários, e é nesse ponto específico detecto a existência de conflito de interesses.

Em algumas destas situações por nós observadas, notamos a menção explícita a determinadas empresas. Não por acaso, por suposição nossa, estas empresas atuam no setor privado assessorando seus clientes em um tema que coincide com o tema do documento publicado.

Ainda que em situações como as relatadas possa não ter havido ganhos, diretos ou indiretos, derivados de tal tipo de colaboração e posterior publicidade oficial, podemos apontar para um ponto que merece a atenção de todos: além do dever de a atitude ser correta, ela deve parecer correta.

 

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Para concluir, vale a pena citar a famosa história da mulher de César, citada exaustivamente quando se trata de situações como a transcrita a seguir:

Conta a História que Pompéia, mulher de César, Imperador de Roma à época, apesar de honesta, teve a desgraça de ter seu bom nome difamado à boca pequena por maledicências do Império, precisamente por uma suposta traição que jamais teria ocorrida – criada e disseminada pela oposição para desestabilizar o Imperador. Diante do fato “tão vergonhoso” perante a opinião pública, o Imperador, apesar acreditar na inocência da esposa, não encontrou outra solução para o problema que não fosse divorciar-se da mulher que amava profundamente. Ainda segundo o relato histórico, o fato teria dado origem à famosa expressão: “Á mulher de César não basta ser honesta, ela deve PARECER honesta”²

Ressalto que não se faz aqui um juízo de valor sobre a situação mencionada, ainda que tenha sido feita de forma anônima.

Nosso objetivo é criar um alerta que seja levado em consideração nas ações futuras, de modo que o poder público não induza, ainda que involuntariamente, os destinatários de tais documentos a verem nessa ou naquela empresa, a certeza de estarem cumprindo todos os requisitos e livres de quaisquer riscos.

¹ ABNT NBR ISO 37001:2017. Sistemas de gestão antissuborno – Requisitos com orientações para uso. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/55a-legislatura/comissao-de-juristas-administracao-publica/documentos/outros-documentos/NBRISO370012017.pdf

² Artigo “O Supremo Tribunal Federal e a mulher de César”. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-supremo-tribunal-federal-e-a-mulher-de-cesar/1492307844


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Edwin Lima é consultor em Recursos para Inovação (Incentivos Fiscais, Captação de Recursos e Gestão da Inovação) e atua há mais de 10 anos assessorando empresas a melhorarem seus resultados através de recursos para inovação, contemplando as áreas de incentivos fiscais para P&D (Lei do Bem, Tecnoparque Curitiba entre outros);captação de recursos para projetos (FINEP, BNDES, FAPESP entre outros) e implementação de sistema de gestão da inovação (ISO 56002).

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